No Brasil, a formação dos profissionais do direito e a legislação processual têm, tradicionalmente, um perfil voltado para situações individuais. As regras contidas na legislação processual foram, ao longo dos tempos, concebidas para resolver conflitos individuais, de maneira a considerar única cada ação ou um litígio específico entre duas pessoas.
Sob forte influência liberal, esse perfil individualista, presente na legislação processual civil brasileira, revela-se insuficiente para resolver o fenômeno da litigiosidade em massa, que constitui uma das característica da época contemporânea, em virtude da produção em grande escala, do consumo generalizado e das situações jurídicas homogêneas.
Realmente, a legislação processual civil, em sua estrutura tradicional, não contém mecanismos que tratem satisfatoriamente docrescente número de causas que reproduzem situações pessoais muito similares, a congestionar as vias judiciais com um volumoso número de ações coincidentes em seu objeto e na razão de sua propositura.
Para solucionar essa litigiosidade em massa, há, é bem verdade, as ações coletivas. Sua disciplina não se revelou, entretanto, suficiente para conter o crescente fluxo de causas repetitivas.
De fato, a litigiosidade em massa exige a adoção de mecanismos de tutela de direitos coletivos, sendo certo que há, no sistema brasileiro, um regime processual adequado à tutela de tais direitos, que confere instrumentos específicos, tais como a ação popular, a ação civil pública, a ação de improbidade administrativa e o mandado de segurança coletivo, que se submetem a um subsistema próprio, compreendido pelo conjunto de algumas leis, a que se agregam as regras processuais contidas no Código de Defesa do Consumidor.
Não obstante a existência desse subsistema próprio, as situações repetitivas continuam a multiplicar-se e a congestionar as vias judiciais. Há, em verdade, uma inoperância do sistema de demandas coletivas. São várias as razões para isso, sendo relevante destacar as quatro principais:
a) não há uma quantidade suficiente de associações, de maneira que não é comum o ajuizamento de ações coletivas, não se conseguindo alcançar todas as situações massificadas que se apresentam a cada momento;
b) a legislação proíbe, em alguns casos, as ações coletivas: o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/1985 veda o uso da ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, FGTS e outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados;
c) a extensão secundumeventum litis da coisa julgada coletiva contribui para que as questões repetitivas não sejam definitivamente solucionadas nas ações coletivas. Nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 103 do CDC, a extensão da coisa julgada poderá beneficiar, jamais prejudicar, os direitos individuais. Julgado procedente o pedido, ou improcedente após instrução suficiente, haverá coisa julgada para os legitimados coletivos, podendo, entretanto, ser propostas as demandas individuais em defesa dos respectivos direitos individuais. Na improcedência por falta de prova, não haverá coisa julgada, podendo qualquer legitimado coletivo repropor a demanda coletiva, desde que haja novas provas, sendo igualmente permitido a qualquer sujeito propor sua demanda individual. Vale dizer que as demandas individuais podem ser propostas em qualquer caso de improcedência;
d) a restrição da eficácia subjetiva da coisa julgada em ação coletiva, estabelecida pelo art. 16 da Lei nº 7.347/1985[2] e, igualmente, pelo art. 2º-A da Lei nº 9.494/1997[3], que lhe impõem uma limitação territorial, acarreta uma indevida fragmentação dos litígios, contrariando a essência do processo coletivo, que tem por finalidade concentrar toda a discussão numa única causa.
Devido a esses quatro motivos, as ações coletivas não têm sido suficientes para resolver, com eficiência e definitivamente, as situações de massa, contribuindo para a existência de inúmeras demandas repetitivas, a provocar um acúmulo injustificável de causas perante o Judiciário.
Mesmo com a implantação de um regime próprio para os processos coletivos, persistem as demandas repetitivas, que se multiplicam a cada dia.
Diante do congestionamento das vias judiciais, ocasionado pelo acúmulo de causas repetitivas, o legislador vem introduzindo, no sistema processual brasileiro, instrumentos específicos destinados a lhes conferir solução prioritária, racional e uniforme. São vários os mecanismos, a exemplo do art. 285-A do CPC, da súmula vinculante, da repercussão geral, do art. 4º, § 8º, da Lei nº 8.437/1992, do pedido de uniformização da interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Federais, entre outros.
Afora tais instrumentos, destacam-se os recursos repetitivos e, especialmente, sua técnica de processamento e julgamento por amostragem (CPC, arts. 543-B e 543-C), concebidos com a finalidade de conter e diminuir o fluxo de casos que são encaminhados, diariamente, aos tribunais superiores.
Com efeito, os arts. 543-B e 543-C do CPC disciplinam o processamento e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos, cabendo ao tribunal local proceder à seleção do(s) recurso(s) que mais bem represente(m) as discussões em torno da questão, que será julgada por amostragem; permite-se, no âmbito do julgamento por amostragem, a intervenção de amicuscuriae. Julgado(s) o(s) recurso(s) selecionado(s), os outros, cujo processamento ficou sobrestado na origem, (i) terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior, ou (ii) serão novamente examinados pelo tribunal de origem, na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do tribunal superior.
Esse modelo, destinado a recursos repetitivos, tem contribuído para a efetiva diminuição do número de casos que são encaminhados aos tribunais superiores. Em vez de se destinarem vários recursos aos tribunais superiores, os tribunais locais selecionam um ou alguns poucos recursos, que representa(m) a controvérsia contida em todos eles, sendo destacado(s) para julgamento, firmando-se a tese a ser seguida.
Com isso, elimina-se o congestionamento de recursos nos tribunais superiores, concentra-se a discussão e evitam-se a pulverização da orientação e a divergência jurisprudencial no âmbito interno dos tribunais superiores. Os demais recursos que versam sobre a mesma tese jurídica mantêm-se sobrestados na origem até o julgamento do recurso escolhido como representativo da controvérsia.
Há um problema que tem ocorrido frequentemente nesses casos de recursos repetitivos. Não é raro haver o equivocado sobrestamento de algum recurso que trate de assunto totalmente diverso, prejudicando a parte interessada e causando o risco de a solução daqueles casos ser aplicada a este que com eles não guarda qualquer pertinência.
Nesse caso, o que deve a parte fazer?
Segundo entende o STF, não cabe agravo (CPC, art. 544) da decisão que determinar o sobrestamento do recurso enquanto não se julgar o recurso selecionado, nem reclamação constitucional, sendo admissível, apenas, agravo interno para o próprio tribunal local[4].
Nesse mesmo sentido, entende o Superior Tribunal de Justiça não ser cabível o agravo previsto no art. 544 do CPC contra a decisão do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem que determina o sobrestamento do recurso especial submetido ao rito do art. 543-C do CPC[5], devendo a parte manejar o agravo interno no próprio tribunal local[6].
Significa que não se tem admitido, contra a decisão que determina o equivocado sobrestamento do recurso extraordinário ou especial em casos repetitivos, o agravo previsto no art. 544 do CPC. O que se aceita, como visto, é o agravo interno para o próprio tribunal local.
Tal entendimento revela-se preocupante. Segundo a orientação ministrada pelo STF e pelo STJ, a parte prejudicada com o sobrestamento indevido de seu recurso deve interpor agravo interno. E se tal agravo não for provido? O que fazer?[7]
O tratamento conferido aos recursos repetitivos convoca a necessidade de aplicação das técnicas próprias dos precedentes. Quando um recurso extraordinário ou especial, entre tantos repetitivos, é escolhido para ser processado e julgado por amostragem, o tribunal superior, além de ter a vantagem de não receber uma grande quantidade de casos, há de analisar a situação com parcimônia, porquanto irá ali firmar um precedente, que servirá de paradigma aos demais casos.
O regime jurídico dos recursos repetitivos foi concebido para conter o grande fluxo de casos nos tribunais superiores. É preciso, entretanto, preocupar-se com outro detalhe pertinente aos recursos repetitivos, que é justamente a formação de um precedente de qualidade. O julgamento do recurso representativo da controvérsia consistirá num precedente que irá orientar os demais casos, devendo ser seguido para as hipóteses que se repetem e que versem a mesma tese jurídica.
Quer isso dizer que o tema dos recursos repetitivos imiscui-se com a técnica de aplicação dos precedentes. Firmado um precedente, este há de ser seguido nos casos similares ou que se identifiquem com a mesma tese estabelecida. Na verdade, o que deve ser seguido por decisões posteriores é exatamente a ratiodecidendi da decisão, de sorte que se pode dizer que o conceito de ratiodecidendi constitui a chave da doutrina do precedente[8].
Se o caso posterior for diverso daquele retratado no precedente, estará descerrado o caminho para que o órgão jurisdicional afirme não haver precedente, pois se trata de novo caso, ainda não examinado. Haveria, então, um distinguishing, a afastar a aplicação do precedente.O precedente pode, enfim, ser afastado, se o novo caso que se apresenta contém uma particularidade que merece novo tratamento ou solução diversa. Eis o distinguishing.
Por outro lado, se a ratiodecidendi estabelece uma norma que, com o tempo, torna-se superada ou obsoleta, impõe-se deixar de seguir o precedente e alterar o conteúdo da ratiodecidendi, caracterizando o chamado overruled[9].O poder reconhecido a uma Corte de se afastar de um precedente, não distinguível, é chamado de overruling.
Ora, se o recurso escolhido para julgamento por amostragem irá formar um precedente, tornando-se o paradigma para os demais que estão sobrestados ou que virão a ser sobrestados, a demonstração de que há um distinguishingou um overrulingdeve ser feita perante o tribunal superior, e não perante o tribunal local.
Assim, havendo um equivocado sobrestamento de um recurso que trate de outro assunto, parece mais adequado que se admita uma reclamação constitucional ao tribunal superior para que determine ao tribunal local que não mantenha o recurso sobrestado, por não versar sobre o mesmo assunto do recurso escolhido para julgamento por amostragem ou por não se lhe aplicar mais o precedente, em razão de um novo contexto fático ou normativo. Manter um recurso indevidamente sobrestado equivale, em última análise, a usurpar competência do tribunal superior, a quem cabe verificar se realmente o caso escolhido para julgamento por amostragem há ou não de se aplicar àquele que foi sobrestado pelo tribunal de origem[10].
A interposição do recurso especial ou extraordinário não impede a execução provisória do julgado. Isso porque tais recursos, via de regra, não são dotados de efeito suspensivo. Se, todavia, a execução provisória puder causar lesão grave ou de difícil reparação ao recorrente, este pode ajuizar uma medida cautelar, destinada a dar efeito suspensivo ao recurso excepcional. A medida cautelar somente pode ser ajuizada no tribunal superior, se já admitido o recurso (enunciado n. 634 da súmula do STF). Enquanto não admitido o recurso, a cautelar deve ser intentada perante o presidente ou vice-presidente do tribunal local (enunciado n. 635 da súmula do STF).
O recurso extraordinário, para ser admitido, deve ostentar repercussão geral. E, nos termos do art. 543-B do CPC, é possível realizar-se, em causas repetitivas, o julgamento por amostragem, de sorte que se seleciona um deles para julgamento, devendo os demais ficar sobrestados, enquanto o recurso amostra não for julgado. Julgado o recurso amostra, os demais – que ficaram sobrestados – deverão seguir o mesmo resultado. Caso haja alguma urgência em relação a um dos casos deduzidos num dos recursos que está sobrestado, é inquestionável que cabe a cautelar, mas tal cautelar deve ser intentada perante o Tribunal local ou o STF? Como aplicar os enunciados 634 e 635 da Súmula do STF aos casos contidos nos recursos extraordinários que ficaram sobrestados?
Na verdade, quando se adota o regime das demandas de massa, com o julgamento por amostragem dos julgamentos repetitivos, o caso está afetado ao STF. Os demais recursos – que ficaram sobrestados – aguardam solução daquele recurso amostra. É bem verdade que, no tocante a tais recursos sobrestados, não há, enquanto perdurar o sobrestamento, o exercício do juízo de admissibilidade. Rigorosamente, e seguindo-se a literalidade dos referidos enunciados 634 e 635 do STF, a cautelar haveria de ser proposta perante o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem.
Acontece, porém, que, no caso do julgamento por amostragem, a sistemática distancia-se um pouco do regime tradicional dos processos individuais. Escolhido um dos recursos e sobrestados os demais, a questão está pendente de apreciação no STF. A questão passa, em outras palavras, a concentrar-se no STF. Logo, a cautelar não deve ser intentada no tribunal local, mas no STF. Significa que uma cautelar relativa a um dos recursos sobrestados haverá de ser ajuizada perante o STF, e não perante o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem. A propósito, cumpre ceder a palavra ao Ministro Eros Grau, do STF, que, ao conceder liminar na AC 2.019/PR, assim se manifestou:
“12. O Tribunal paranaense não procedeu ao juízo de admissibilidade do recurso extraordinário interposto.
Como se vê, no caso de sobrestamento de recursos extraordinários, previsto no art. 543-B do CPC, a competência para processar e julgar a cautelar destinada a agregar efeito suspensivo a um deles é do STF, e não do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem. O mesmo se diga quanto aos recursos especiais sobrestados com base no art. 543-C do CPC, enquanto se aguarda o julgamento por amostragem do recurso especial escolhido. Nessa situação, a cautelar deve ser ajuizada no STJ, e não no tribunal local.
Não foi esse, contudo, o entendimento adotado pelo Plenário do STF, ao analisar questão de ordem na Ação Cautelar 2.177. Por maioria de votos, os ministros entenderam que compete ao tribunal onde foi interposto o Recurso Extraordinário conhecer e julgar ação cautelar, podendo conferir efeito suspensivo, quando for reconhecida repercussão geral sobre a questão e sobrestado recurso extraordinário admitido ou não na origem. Por consequência, o STF considerou-se incompetente para analisar a matéria e determinou a devolução dos autos ao STJ[11], vencidos os ministros Marco Aurélio e Carmen Lúcia Antunes Rocha. Segundo esse entendimento manifestado pelo Plenário do STF, havendo urgência no tocante a um dos casos deduzidos num dos recursos sobrestados, a cautelar deve ser intentada perante o Tribunal de origem. Em outras palavras, o STF entendeu que os enunciados 634 e 635 de sua Súmula de Jurisprudência aplicam-se também aos casos contidos nos recursos extraordinários que ficaram sobrestados.
Tudo está a demonstrar que a técnica de processamento e julgamento dos recursos repetitivos teve por finalidade conter o fluxo de casos que são encaminhados aos tribunais superiores. Tal finalidade tem sido alcançada, exatamente porque tem havido comprovada diminuição na quantidade de recursos que chegam ao STF e ao STJ.
Há, entretanto, uma finalidade a ser perseguida no âmbito dos recursos repetitivos, que é a formação de um precedente de qualidade. Nesse sentido, impõe-se a adoção das técnicas de aplicação, de afastamento e de superação dos precedentes, com valorização da uniformização e da estabilização da jurisprudência.
E já se percebe a preocupação com essa finalidade. Em determinada questão repetitiva, foram selecionados para julgamento no STJ dois casos, contidos nos REsp 1.058.114 e REsp 1.063.343. Em tais casos, o recorrente desistiu dos recursos, mas o STJ negou a desistência, por entender que era necessário firmar o precedente a ser aplicado às situações similares, dando solução aos recursos que estavam sobrestados[12].
É preciso que se firmem os precedentes com qualidade. Nesse sentido, é incompatível com um bom precedente a elaboração de relatório conciso: cumpre adotar a prática de elaboração de relatório detalhado, a fim de que se possa entender o caso para que se viabilize sua aplicação nas situações similares sucessivas ou para que se permita o afastamento ou a superação do precedente, mediante as técnicas do distinguishingou do overruling.
[1] Texto que serviu de base para a palestra proferida nas IX Jornadas de Direito Processual, promovidas pelo IBDP, no Rio de Janeiro entre os dias 29 a 31 de agosto de 2012.
[2]“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”
[3]“Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.”
[4]“RECLAMAÇÃO. SUPOSTA APLICAÇÃO INDEVIDA PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.336-RG/RO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DE AFRONTA À SÚMULA STF 727. INOCORRÊNCIA.
[5]“AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO ESPECIAL SOBRESTADO NA ORIGEM COM BASE NO ART. 543-C DO CPC – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DESCABIMENTO.
1.– Não cabe Agravo de Instrumento (CPC, art. 544) contra decisão que determina o sobrestamento do feito, em virtude da pendência de julgamento de Recurso Especial submetido à sistemática prevista no art. 543-C do CPC (recurso repetitivo). Precedente.
2.– Agravo Regimental improvido.” (STJ, 3ª T., AgRg no Ag 1.282.373/RJ, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 27/3/2012, DJe 13/4/2012).
[6]STJ, 1ª T., AgRg no AREsp 84.138/PR, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 20/3/2012, DJe 23/3/2012.
[7]Em precedente específico, a 3ª Turma do STJ entendeu que, admitido o recurso representativo da controvérsia e afetado ao órgão competente para processá-lo e julgá-lo por amostragem, cabe ao próprio STJ o controle de equivocado sobrestamento ordenado pelo tribunal de origem (MC 17.226/RJ, rel. Min. Massami Uyeda, j. 5/10/2010, DJe 17/11/2010). Aí está já uma indicação de que o STJ deve admitir o controle de equivocado sobrestamento em casos de recursos repetitivos.
[8]SESMA, Victoria Iturralde. El precedente enel common law. Madrid: Editorial Civitas, 1995, n. 6, p. 81.
[9]D’AMICO, Pietro. Common law. Torino: G. Giappichelli Editore, 2005, p. 284.
[10]Em interessante texto, Nicolas Mendonça Coelho de Araújo entende ser cabível mandado de segurança contra o ato do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal local que determina equivocadamente o sobrestamento do recurso especial ou extraordinário. Segundo ali se defende, o ato que determina o sobrestamento não seria jurisdicional, sendo passível de mandado de segurança. Entende que não cabe agravo de instrumento para o tribunal superior, pois não haveria, no caso, exercício de juízo de admissibilidade. Parece-lhe, de igual modo, não ser cabível a reclamação constitucional, por não haver usurpação de competência, já que seria competência privativa do Presidente ou do Vice-Presidente do tribunal de origem. Também entende não ser cabível agravo interno, por se tratar de ato privativo do Presidente ou Vice-Presidente, não controlável pelo plenário ou corte especial do tribunal (ARAÚJO, Nicolas Mendonça Coelho de. “Meios de impugnação da decisão de sobrestamento do recurso especial em razão da instauração do procedimento do art. 543-C do CPC”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2011, n. 197, p. 359-371). Não obstante a boa lavra dos argumentos defendidos, não parece cabível, no caso, o mandado de segurança, pois essa é, sim, uma decisão jurisdicional. Na verdade, ao sobrestar indevidamente um recurso, o Presidente ou Vice-Presidente está a impedir que o tribunal superior aprecie o caso, o que equivale a lhe usurpar a competência.
[11]No caso, o Recurso Extraordinário fora interposto contra acórdão proferido pelo STJ em Recurso Especial. Por isso, o STF determinou a remessa dos autos ao STJ.
[12]Discorda-se, apenas, da forma com o que o STJ tratou do tema. A desistência do recurso produz efeitos imediatos (CPC, art. 158), não necessitando de homologação judicial, nem de concordância da parte contrária (CPC, art. 501). É dizer: não se pode, em princípio, rejeitar a desistência, pois não se pede a desistência; simplesmente se desiste e a desistência produz efeitos imediatos. Quando se seleciona um dos recursos para julgamento, instaura-se um novo procedimento. Esse procedimento incidental é instaurado por provocação oficial e não se confunde com o procedimento principal recursal, instaurado por provocação do recorrente. Passa, então, a haver, ao lado do recurso, um procedimento específico para julgamento e fixação da tese que irá repercutir relativamente a vários outros casos repetitivos. Quer isso dizer que surgem, paralelamente, dois procedimentos: a) o procedimento recursal, principal, destinado a resolver a questão individual do recorrente; e, b) o procedimento incidental de definição do precedente ou da tese a ser adotada pelo tribunal superior, que haverá de ser seguida pelos demais tribunais e que repercutirá na análise dos demais recursos que estão sobrestados para julgamento. Este último procedimento tem uma feição coletiva, não devendo ser objeto de desistência, da mesma forma que não se admite a desistência em ações coletivas (Ação Civil Pública e Ação Direta de Inconstitucionalidade, por exemplo). O objeto desse incidente é a fixação de uma tese jurídica geral, semelhante ao de um processo coletivo em que se discutam direitos individuais homogêneos. Trata-se de um incidente com objeto litigioso coletivo. Quando o recorrente, num caso como esse, desiste do recurso, a desistência deve atingir, apenas, o procedimento recursal, não havendo como negar tal desistência, já que, como visto, ela produz efeitos imediatos, não dependendo de concordância da outra parte, nem de autorização ou homologação judicial. Ademais, a parte pode, realmente, precisar da desistência para que se realize um acordo, ou se celebre um negócio jurídico, ou por qualquer outro motivo legítimo, que não necessita ser declinado ou justificado. Demais disso, o procedimento recursal é, como se sabe, orientado pelo princípio dispositivo. Tal desistência, todavia, não atinge o segundo procedimento, instaurado para definição do precedente ou da tese a ser adotada pelo tribunal superior. Em suma, a desistência não impede o julgamento, com a definição da tese a ser adotada pelo tribunal superior, mas tal julgamento não atinge o recorrente que desistiu, servindo, apenas, para estabelecer o entendimento do tribunal, a influenciar e repercutir nos outros recursos que ficaram sobrestados.