Os embargos de terceiro consistem em demanda incidental, por meio da qual alguém pretende livrar-se de constrição indevida em bem ou direito seu, efetivada por ordem judicial em processo do qual não é parte. Os embargos direcionam-se contra uma constrição ou ameaça de constrição judicial.
Os embargos de terceiro destinam-se a impugnar um ato judicial de constrição de bens ou direitos que o embargante entende indevido. É preciso que o ato de constrição seja judicial. Se a constrição patrimonial imposta ao embargante veio de um particular (p.ex., por disposição negocial), os embargos de terceiro são incabíveis. Também serão incabíveis quando as medidas constritivas tiverem natureza administrativa.
Enfim, os embargos de terceiro são cabíveis quando o ato de constrição for judicial.
O árbitro exerce atividade jurisdicional. É possível que conceda uma tutela provisória e seu cumprimento atinja bens ou direitos de terceiro, que poderá, então, ajuizar embargos de terceiro. Nos termos do art. 22-A da Lei n. 9.307/1996, antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência. E, segundo o seu art. 22-B, instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a tutela provisória concedida pelo juízo estatal. O parágrafo único desse mesmo art. 22-B dispõe que, estando já instituída a arbitragem, a tutela provisória será requerida diretamente aos árbitros.
Assim, se a medida houver sido concedida pelo juiz estatal, o ato é, sem dúvida, jurisdicional. E, havendo atingimento a bens ou direitos de terceiro, este pode propor embargos para livrar seus bens ou direitos da constrição.
Quando a medida for mantida ou originariamente concedida pelo árbitro, também há aí um ato jurisdicional, como já se viu. Há, então, um ato jurisdicional que atingiu um bem ou um direito de um terceiro. Cabem os embargos de terceiro, mas estes devem ser opostos, processados e julgados perante um juízo estatal. É que o terceiro não está vinculado à convenção de arbitragem, devendo a pretensão ser formulada perante um juízo estatal.
A essa altura, cabe uma observação: a arbitragem encontra na vontade das partes seu fundamento atributivo de jurisdição. Não obstante ser jurisdicional, a atividade dos árbitros resulta de um ato de vontade das partes. A vontade das partes não se destina apenas a instituir o tribunal arbitral, mas sobretudo a instituir uma autocontenção: pela convenção de arbitragem, as partes comprometem-se a não recorrer a um juízo ou tribunal estatal.
E é exatamente por estar a arbitragem fundada na convenção celebrada entre as partes que “o terceiro poderá sempre alegar a sua não submissão a tal jurisdição quando é certo que esta é um dos efeitos de um acordo de vontades ao qual o terceiro é estranho” (SILVA, Paula Costa; GRADI. Marco. A intervenção de terceiro no procedimento arbitral voluntário nos direitos português e italiano.Montecatini Terme: Edizioni Terzo Millenio, 2009, p. 22).
Poder-se-ia defender a competência do árbitro, ao argumento de que o terceiro poderia consentir implicitamente com a convenção de arbitragem e formular o pedido ao juízo arbitral.
Ocorre, porém, que, neste caso, o fato ensejador dos embargos de terceiro foi uma decisão proferida pelo árbitro ou, até mesmo, pelo juiz em cooperação ao árbitro. A causa de pedir não tem origem na convenção de arbitragem. Não há competência do árbitro para tratar do tema. Além disso, as partes da arbitragem não estão obrigadas a aceitar a demanda proposta pelo terceiro; não há convenção entre eles nesse sentido.
Na hipótese ora aventada, o juiz estatal deve exercer um juízo de validade sobre a decisão arbitral. Se a decisão arbitral onerou ou atingiu bem ou direito de terceiro, que não faz parte da convenção de arbitragem, enquadra-se na hipótese do art. 32, IV, da Lei n. 9.307/1996. Obrigar o terceiro a sujeitar-se à jurisdição do árbitro, mesmo ele não tendo celebrado a convenção, nem participado da escolha do árbitro ou do tribunal arbitral, seria contrário à garantia do acesso à justiça.
Enfim, o terceiro deve ajuizar os embargos de terceiro perante o juízo estatal, cabendo-lhe, em sua causa de pedir, invocar a nulidade da decisão, por ter extrapolado os limites subjetivos da convenção de arbitragem e pedir, prejudicialmente, a proclamação da nulidade com base no art. 32, IV, da Lei n. 9.307/1996.
Há um problema nessa solução: no sistema de arbitragem brasileiro, o controle judicial somente pode dar-se no final, depois de proferida a sentença. Em outras palavras, não há controle judicial da arbitragem antes da sentença arbitral. A solução ora apresentada, segundo a qual o terceiro deve ajuizar os embargos perante o juiz estatal e pedir a nulidade da decisão que atingiu seus bens ou direitos por extrapolar dos limites da convenção de arbitragem, foge à regra de que as invalidades, na arbitragem, só devem ser alegadas na ação anulatória, a ser ajuizada até noventa dias após a sentença arbitral.
Não há, porém, ilegalidade ou ofensa a esse conjunto de regras. É que o terceiro não poderia ser obrigado a aguardar o fim do processo arbitral. Seu direito ou bem foi atingido por uma decisão arbitral inválida para ele e, portanto, deve haver controle judicial. Aquele conjunto de regras é aplicável a quem for parte na arbitragem, e não a um terceiro, sobretudo a um terceiro que sofre constrição em um bem ou direito seu por decisão arbitral proferida em arbitragem da qual não faz parte.
Acresce que o cumprimento de uma decisão arbitral é conduzido ou processado por um juízo estatal, pois não se confere ao árbitro competência para a atividade executiva. É possível que a decisão arbitral não especifique qual bem deva ser atingido por sua decisão. Se essa especificação for feita pelo juízo estatal quando do cumprimento, os embargos de terceiro, por isso mesmo, serão propostos perante esse próprio juízo estatal (art. 676, parágrafo único, CPC). Se, porém, a especificação do bem for feita pelo próprio árbitro, vindo em sua decisão a dirigir-se contra o patrimônio de um terceiro, terá extrapolado os limites da convenção de arbitragem, cabendo os embargos de terceiro perante o juízo estatal, em razão de tudo que já foi dito até aqui.
Os embargos de terceiro devem, enfim, ser propostos no juízo estatal.
Ajuizados os embargos de terceiro, o juízo estatal competente é aquele que já tenha cooperado com o árbitro, mediante carta arbitral (art. 22-C, Lei n. 9.307/1996; art. 69, § 1º, CPC), ou algum outro ao qual se distribuam livremente, que ficará prevento para medidas cooperativas junto ao tribunal arbitral. Incide, no caso, por analogia, o disposto no parágrafo único do art. 676 do CPC.